Aliança pelo Brasil naufragou, mas extremistas fundadores mantêm cargos-chave no governo Bolsonaro

Jair Bolsonaro, hoje no PL, já admitiu que sempre foi do Centrão. Mas, usando o poder e o alcance da Presidência da República, ele trabalhou para criar um partido que seria um espelho dele, o Aliança pelo Brasil, que pretendia usar o número de urna 38 – a referência, explícita, é ao calibre do revólver que por décadas foi a arma padrão das polícias brasileiras.

Deu errado, mas nem por isso os parceiros na aventura de criar uma legenda 100% de extrema direita ficaram à míngua. Pelo contrário, parte deles está instalada em cargos de confiança no governo.

Fazem parte dessa lista o ministro do Turismo e sanfoneiro oficial da República, Gilson Machado, e o secretário Especial de Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia, idealizador da política fundiária que ignora direitos de povos indígenas e remanescentes quilombolas. Também há gente instalada nos gabinetes dos filhos 01 e 03 em Brasília – o senador Flávio Bolsonaro, do PL, e o deputado federal Eduardo, do PSL.

Ao contrário dos aliados de ocasião do Centrão, a turma do Aliança é composta por figuras dispostas a encampar e defender incondicionalmente os ideais e interesses da família presidencial. Em troca, ganham acesso a cargos-chave, a partir dos quais podem blindar e monitorar eventuais investigações contra eles próprios e o clã Bolsonaro.

É precisamente este o caso do ouvidor-geral do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Felipe Uchoa dos Santos, que está no cargo desde 26 de maio passado. Agente da Polícia Federal, Uchoa foi assessor de gabinete de Flávio Bolsonaro entre abril de 2019 e janeiro de 2021.

O rol de fundadores do Aliança é uma espécie de quem é quem do bolsonarismo raiz. Trata-se de uma lista dos apoiadores de primeira hora e de radicais recém-convertidos após a decolagem da campanha presidencial de Bolsonaro. A lista, de 117 nomes, foi registrada em cartório em dezembro de 2019. Como ela é pública – ou era, até o Tribunal Superior Eleitoral ameaçar usar a Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD, contra a transparência de informações –, eu requisitei uma cópia em papel.

O documento é o primeiro passo para a criação de um partido político no Brasil. É preciso entregar à Justiça Eleitoral um programa partidário e um estatuto com a assinatura de ao menos 101 fundadores. A partir daí começa a busca por 490 mil assinaturas de apoio – o que o Aliança jamais conseguiu – para que o registro seja aceito.

Estão na lista personagens que ajudaram a construir a vida política dos Bolsonaro e orbitam em investigações criminais que miram o clã, como o caso das rachadinhas nos gabinetes de Flávio e Carlos, as redes de distribuição de fake news e a organização dos atos antidemocráticos.

Todo ouvidos

O currículo de Felipe Uchoa dos Santos não mostra experiência anterior para o exercício de um cargo como o de ouvidor. O documento menciona apenas uma certificação avançada em ouvidoria à distância em 2021, ano em que deixou o gabinete de Flávio. O curso, com carga horária de 160 horas, é oferecido gratuitamente pela Escola Virtual do governo federal. Fora isso, Uchoa lista ser formado em Direito, em 2003, pela PUC do Rio de Janeiro, além de passagens por órgãos ligados à Polícia Federal e à Interpol, e o trabalho como Assistente Parlamentar Sênior no Senado.

Mas isso bastou, na opinião de Anderson Torres. Ele comandava havia dois meses o Ministério da Justiça quando nomeou Uchoa ouvidor da pasta. A proximidade entre eles não surgiu ali. Um mês e meio antes, Uchoa havia sido nomeado chefe da assessoria de Comunicação do gabinete da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, que Torres comandara até março daquele ano. No dia 23 do mesmo mês, um ato tornou a nomeação sem efeito. A assessoria de imprensa da SSP me informou, em nota, que Uchoa não chegou a integrar seus quadros, mas se recusou a esclarecer o motivo disso.

O ouvidor-geral é encarregado de organizar reclamações de usuários dos serviços do Ministério da Justiça, bem como da Polícia Federal, além de coordenar o atendimento dos requerimentos feitos a partir do que determina a Lei de Acesso à Informação, a LAI. Uchoa também ganhou de Torres a incumbência de coordenar a implantação da Lei Geral de Proteção de Dados da pasta.

Perguntei à gerente de projetos da Transparência Brasil, Marina Atoji, qual a avaliação dela a respeito das atribuições de Uchoa, bem como sobre o perfil dele para o cargo.

“A princípio, nada errado em colocar na figura do ouvidor-geral esses papéis: é o cumprimento das determinações que estão na LAI e na LGPD ”, ela me disse. “Mas, conhecendo a visão dos Bolsonaro sobre acesso a informações, tendo em vista o parco currículo do indicado a respeito de ambos os temas, além da notória proximidade dele com a família, parece um risco que ele seja o ouvidor-geral”, avaliou Atoji.

Ela avaliou que Uchoa “pode ser autorizado a classificar e acessar informações do MJ como sigilosas no grau reservado”. “Ele terá acesso aos relatórios de impacto à proteção de dados pessoais e às atividades de tratamento de dados pessoais, pois será responsável por orientar e verificar o cumprimento da LGPD”, explicou.

Os Bolsonaro buscam controlar o Ministério da Justiça e a estrutura da PF desde o início do governo. Enfraquecido pela Vaza Jato, o outrora superministro da Justiça Sergio Moro acabou por perder a queda de braço com o presidente a respeito da nomeação do diretor-geral da Polícia Federal e, em seguida, pediu para deixar o cargo.

O ouvidor Uchoa é casado com a ex-apresentadora da TV Globo Dani Monteiro. A exemplo do marido, ela é apoiadora pública de bandeiras bolsonaristas. Em 2021, foi uma das apresentadoras do evento conservador Cpac. Também esteve nos atos antidemocráticos de 7 de setembro.

Solicitei à PF detalhes sobre a atuação profissional de Uchoa e perguntei se ele trabalhou na segurança pessoal de Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018. A corporação negou as respostas usando uma justificativa pouco transparente: “informações pessoais de servidor policial federal são de acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 anos a contar da sua data de produção”.

A PF avisou, por fim, que “não há restrição à filiação partidária por parte de policiais federais”. Uchoa, no caso, nem chegou a ser filiado, pois o Aliança jamais saiu do papel.

Já o Ministério da Justiça me disse que Uchoa preenche “os critérios, o perfil profissional e procedimentos gerais a serem observados para a ocupação dos cargos em comissão”, sem especificar quais são eles. Fiz uma série de questionamentos ao ouvidor via assessoria de imprensa do ministério, mas ele não se manifestou.

Na quarta-feira, dia 26, liguei para o ouvidor. Ele me atendeu e disse que estava em uma reunião e pediu para eu ligar mais tarde. Encaminhei as dúvidas que tinha por WhatsApp, o ouvidor, novamente, disse que falaria comigo, mas não tive resposta.

Desde a sexta-feira, dia 21 de janeiro, procuro Flávio Bolsonaro para saber o que fazia Uchoa em seu gabinete e qual a relação entre eles. Não tive resposta.

Apoiadores posam para fotos com uma obra com o nome e símbolo do partido Aliança pelo Brasil, feito com cartuchos de balas.

Representação do símbolo do natimorto partido de Bolsonaro formado por cápsulas deflagradas de revólveres, pistolas e fuzis: tudo no Aliança pelo Brasil remetia à violência policial, a começar pelo número escolhido, o 38.

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Gabinete do ódio e rachadinha

Felipe Uchoa é apenas mais um aliado fiel disposto a comprar o pacote completo do bolsonarismo que foi agraciado com cargo de confiança no governo federal.

O movimento que pediu o fechamento do Supremo Tribunal Federal, financiado por segmentos do agronegócio, foi estimulado por Jair Bolsonaro e seus filhos e ministros, caso de Gilson Machado. O sanfoneiro do Turismo fez questão de subir ao palanque enquanto o presidente atacava o STF. Semanas antes do ato, Machado recebeu um dos principais articuladores do movimento, o caminhoneiro Zé Trovão, que, atualmente, cumpre prisão domiciliar por determinação do ministro do Supremo Alexandre de Moraes.

Como Uchoa, Machado é um dos fundadores do Aliança. Em 2019, quando assinou a ficha da sigla, ocupava a presidência da Embratur, a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo. Ele usou o cargo para pressionar a Funai, em papel timbrado, a ceder uma terra indígena para a construção de um hotel no litoral da Bahia, como revelou o Intercept em 2019.

Em circunstâncias normais – e num governo normal –, Machado teria sido sumariamente demitido. Sob Bolsonaro, foi promovido a ministro mais de um ano depois. Ao Ministério do Turismo estão vinculados órgãos chave na guerra ideológica bolsonarista, como a Secretaria de Cultura, comandada pelo ex-ator adolescente Mário Frias, e a Fundação Palmares, presidida pelo jornalista Sérgio Camargo.

Os atos antidemocráticos renderam uma investigação por parte do STF, em que foi citado o assessor especial do presidente Tercio Arnaud Tomaz, apontado em investigações como um dos chefes do gabinete do ódio. Mais um fundador do Aliança, Arnaud é apadrinhado pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro, do Republicanos. Em depoimento à Polícia Federal, Tomaz negou ter promovido as manifestações.

Entre os fundadores do Aliança, também há quem aja de maneira discreta, mas em cargos não menos importantes. É o caso do assessor especial do gabinete da Presidência Marcelo Costa Câmara, apontado como um dos responsáveis pela rede de informações paralela – a “que funciona” –  de Bolsonaro. Em entrevista à Veja, ele negou que fizesse o que é suspeito de fazer: investigações e relatórios paralelos a pedido do presidente.

Também há fundadores do Aliança envolvidos no caso das rachadinhas, o desvio de dinheiro público em que servidores fantasmas de gabinete devolvem a maior parte de seus salários ao político que os contratou. A investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro mira o mandato de Flávio na Alerj, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, onde foi como deputado estadual de 2003 a 2018.

A acusação é de que o grupo agia como uma organização criminosa e teria desviado R$ 2 milhões dos cofres públicos. Neste caso, o atual chefe de gabinete do senador Flávio Bolsonaro, o coronel reformado Miguel Ângelo Braga Grillo, conhecido como coronel Braga, foi apontado pelo Ministério Público por ter atuação “determinante” no esquema. Braga assinou o documento pela fundação do Aliança pelo Brasil. Flávio nega irregularidades em seu gabinete.

Na estrutura institucional do Aliança pelo Brasil, Marcelo Costa Câmara, coronel Braga e Tércio Arnaud exerceriam cargos de destaque. Seriam, respectivamente, tesoureiro-adjunto e dirigentes da Comissão Provisória Nacional do partido.

No Planalto, Bolsonaro ainda encontrou abrigo para outros fundadores do partido, como o intérprete de libras Fabiano Guimarães da Rocha, o tradutor para libras dos discursos de solenidades oficiais do governo, além de militares da reserva tornados assessores especiais, como Joel Novaes da Fonseca e Sergio Rocha Cordeiro.

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Fonte: https://theintercept.com/2022/01/27/alianca-pelo-brasil-bolsonaro-abocanha-cargos-confianca/
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